8.08.2006

DE CABRITOS E CANIVETES

“Bom cabrito é o que não berra” - será verdade?

Aquela viagem pelo interior, que incluiu estradas rurais ou coisa parecida – mais pra coisa parecida -, trilhas a pé, rios, percurso de barco - tudo a trabalho, nada de eco-turismo -, iniciou-se por sugerir uma prosa sobre cabritos (lembrando que bodes são muito espaçosos).

Antes do almoço, corcoveando dentro de uma camionete que era pra ser confortável, proseou-se sobre a provável reeleição do executivo-mor. Constatou-se que o excesso de sua exposição na mídia é que lhe esgota a inspiração para tiradas de efeito. Já do lado de quem as ouve, a paciência é que vai agonizando. Essa experiência já foi vivida com o mandatário anterior; tudo indica que a viveremos outra vez. Do lado do mandatário, portanto, constatou-se que bom cabrito é o que não fala.

Enquanto almoçavam em acampamento de obras bem no meio daquilo tudo, mata, rios, um calor seco sob nuvens a ensaiar uma chuvinha que não viria, falaram do barco no qual pretendiam navegar dali a algumas poucas horas:

- O motor anda bebendo demais.
- Não vai dar pra ir e voltar.
- Claro que dá.
- Ce tá louco, sô; não dá, não.
- Dá.
- Não dá.

E continuou aquela discussão de cabritos roucos, absolutamente inaudíveis, nenhum capaz de convencer ao outro. Aliás, ninguém ali era cabrito, eram pessoas vividas, experientes. Sem ofensa, estavam mais pra bodes. Se havia algum cabrito, era justamente o barqueiro, cuja opinião sequer era ouvida, que dirá considerada. Pra convencer bode, cabrito tem que ser muito bom de berro.

Depois de novas trilhas a pé e quase-estradas na referida camionete que era pra ser confortável, fizeram seu trajeto no referido barco. Na ausência de coletes salva-vidas, a tranqüilizar a todos, um par de remos. E um homem não é muito mais que um par de remos.

As águas, a paisagem, tudo aquilo foi ressuscitando corpos e mentes cansados do poder e da falta dele. E homens não são muito mais que sua ressurreição.

Que bode ou cabrito foi que venceu a discussão, ninguém sabe - mas a gasolina do barco acabou, no meio do percurso de retorno.

Quem pratica boxe conclui, precipitadamente, que um homem não é muito mais que suas luvas de boxe. Já quem anda de bicicleta entende que um homem não é muito mais que sua bicicleta – tanto assim que sempre se pergunta: casar ou comprar uma?

Porém, nem luvas de boxe nem bicicleta as havia.

O barqueiro revelou:

- Tem um pouco de gasolina no tanque e um pouco mais nesta vasilha – e perguntou:

- Alguém tem um canivete?

Sem ter a menor idéia da utilidade que poderia ter um canivete naquele instante, o mais peixe fora d’água de todos, nascido e criado em beira de praia de cidade grande, respondeu:

- Sim. Eu tenho um canivete.

E aí lhe foi dada a divina graça da revelação: seu canivete serviria para cortar o fundo de uma garrafa plástica de água mineral; esta, depois de cortada, se prestaria como funil entre a vasilha avulsa com gasolina e o tanque do barco, a fazer o motor à explosão explodir à vontade outra vez, pondo o barco a navegar de novo e de volta à terra, prometida e quase-firme.

Foi assim que ficou provado que – sem entrar no mérito da ressurreição -, um homem não só não é muito mais que seus remos, luvas de boxe e bicicleta, como, definitivamente, um homem nada mais é que seu canivete.

Portanto, minha amiga, da próxima vez que seu namorado lhe convidar a um motel, antes que alguma coisa deixe de funcionar, pergunte a ele:

- O canivete veio?

Ou fique a ouvir bodes e cabritos.

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