7.03.2011

EU E A CAIXA DE CORREIO

Nem só de contas vive a caixa de correio - a tradicional, que já foi das cartas de amor, quando houve um dia em que “a marquesa saiu às cinco horas”. Domingo passado, eu ia saindo para me encontrar com minha mulher num restaurante, e o porteiro me veio com um envelope parrudo, “Não tinha como deixar na sua caixa de correio, Seu Mario”. Mas era para estar lá aquele envelope, se ele conseguisse passar pela fresta feita somente para os que trazem as contas e traziam as cartas, suas juras e seus ciúmes, assim o envelope queria, assim minha caixa de correio desejava. O porteiro completou, “Pode deixar aqui, o Sr. está saindo, na volta o Sr. pega”, e eu, “Não, meu amigo, isso é coisa muito especial, vou levar comigo”. No restaurante, com minha rima pobre e roubada, mostrei todo prosa à minha morena Rosa o livro que ganhei do Ronaldo Werneck, com suas deliciosas crônicas, “Há controvérsias 2”, com uma dedicatória só pra mim, e uma outra, a impressa, com vinte e dois nomes, dentre eles o do nosso amigo Carlos Sérgio Bittencourt. Outro é o do baterista Afonso Vieira, que, assim como o Ronaldo, conheci no apartamento do Leblon do Carlos Sérgio, os três de Cataguases, que então moravam no Rio. Rosa leu em voz alta o fechamento da dedicatória impressa - “22 amigos do peito, dois times mais-que-perfeitos” - e me disse, “Puxa, que coisa mais delicada”.

Tão delicada, Rosa, que me fez lembrar de quando eu e o Carlos Sérgio dividíamos a autoria de textos de teatro, de quando eu fiz parte de um elenco de uma peça dele, “Os visionários da noite”, encenada no Teatro da Praia, em Copacabana, e não faz tanto tempo assim, era um tempo em que eu trabalhava de dia e de noite em projetos de engenharia e o Carlinhos cismou de me convidar para ensaiar uma vez por semana, às 11 da noite, na Fundição Progresso, no velho centro do Rio, que aos poucos vem sendo remodelado, transformando armazéns e fundições, que estes me perdoem, em aproveitamentos bem mais interessantes, como bares, espaços culturais, antiquários com músicos e seus saxofones, assim é minha lembrança. (Ou minha imaginação?) Nos ensaios, no começo, eu não tinha texto: havia o receio de que, só ensaiando uma vez por semana, eu nunca fosse capaz de gravá-lo; mas, devagarzinho, o texto foi-se mostrando importante, foi sendo inventado, íamos inventando juntos, na hora, com sotaque gaúcho ainda por cima, porque eu contracenava com uma gaúcha, que depois se foi para Israel, e a irmã dela, como costuma fazer a vida em suas idas e vindas, veio morar aqui, em Florianópolis. (Ou eu estou errado, Rubens, André e Carlos Sérgio?)

Depois de inventado e escrito o texto, aconteceu o que se temia: todas as vezes eu o esquecia. Chegamos nos ensaios finais, com figurinos, cenário, no Teatro da Praia, e eu, errando o texto. Era engenharia demais me ocupando a cabeça. Mas... Na hora certa, com plateia no escuro, luz difusa no palco, o texto saiu inteiro, a figurinista, descrente quando me via claudicante nos ensaios, me abraçou depois da peça, o elenco todo se abraçava. Parafraseando Noel, fazer teatro é um privilégio, que não se aprende no colégio.

Ao meu amigo poeta, magistral em seus poemas concretos de “Doris by night”, meu amigo cronista, que ainda vai nos explicar porque a marquesa do Paul Valéry saiu às cinco horas, meu amigo Ronaldo Werneck: muito obrigado por me propiciar, além da leitura das suas crônicas, tantas boas lembranças, das noites no apartamento do Carlos Sérgio onde nos conhecemos e conversávamos até de madrugada, quando uma cadelinha chorava toda vez que ele perguntava, Cadê a Carla?, porque a Carla, filha do Carlinhos, havia saído.

Dona caixa de correio: as contas são suas; o livro do Ronaldo é meu; e as cartas de amor também.

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