4.19.2009

MUROS

Segundo o livro CIDADE PARTIDA, de Zuenir Ventura, do início do século XX até o seu final, a quantidade de favelas no Rio passou de uma para 500. Há que diga que, hoje, são 700 ou quase 1.000 - e que, por exemplo, em Florianópolis, com seus cerca de 400 mil habitantes, já são dezenas.

O governo do estado do Rio de Janeiro começou a construir muros nas favelas cariocas - em 13 delas -, totalizando 14,6 km lineares e o custo de 40 milhões de reais.

Há algumas questões que se levantam por si:

1. Se o número é de 500, 700 ou 1.000 favelas, enquanto construírem muros em 13 restarão 487, 687 ou 987 sem muros;
2. Mesmo quem defende a construção – por exemplo, a revista VEJA – afirma que os muros por si, sem fiscalização, serão incapazes de impedir a expansão das favelas;
3. Morros sempre são acessíveis por mais de um caminho - e o projeto não prevê, como chegaram a pensar – e temer - alguns daqui e de fora, muros poligonais coibindo ou dificultando todo e qualquer acesso às favelas;
4. A um custo unitário que, segundo especialistas, seria viável, de 20 mil reais, a quantia que dizem que custarão os 14,6 km de muros em 13 das 500, 700 ou 1.000 favelas cariocas seria a mesma para construir 2.000 (duas mil) casas populares.

Portanto, antes de qualquer juízo ético, é fácil de ser percebido que a construção desses muros é injustificável por qualquer rudimentar e simplista raciocínio prático, econômico, ou mera, pobre, tosca, minimamente lógico.

Saindo do terreno pragmático e adentrando em outro cuja subjetividade é quase nula, a dedicação brasileira à persistência e à manutenção de construções feitas pelo poder público é igualmente quase nula; é de se apostar que esses muros, se sua construção chegar ou não ao final, muito em breve serão ruínas.

Agora vamos deixar de vez a obviedade e pular o muro brasileiro da hipocrisia.

Em um país cuja sociedade achou prático e natural que em um século fossem construídas 500 ou mais favelas na cidade que, durante cerca de 60 anos do mesmo século, foi sua capital; que considerou igualmente prático e natural que em outras cidades de perfil montanhoso fossem construídos barracos e mais barracos em seus morros e, nas planas, que parte da população se espremesse em caixotes de madeira ou papelão montados à beira de estradas; que se comporta como o paciente de psicanálise que inicia seu tratamento falando da mãe e acaba por tratar da, às vezes, já falecida mãe e não de si, como aqui se faz, culpando eternamente os portugueses e suas capitanias hereditárias; que em grande parte acha bonito e natural entupir as narinas de pó e empinar as mesmas narinas a exigir segurança e direitos; que sabe que os políticos são de baixo nível porque a população em sua maior parte é facilmente manipulável, porque desesperada, encantada pelo primeiro santinho acompanhado de cesta básica, vale-combustível, torneira, escada ou proximidade à corja pútrida, - em um país assim, com uma sociedade assim, nada mais natural que se prefira construir muros à volta de pobres ao invés de pensar em alternativa que, mesmo e ainda que minimamente, se baseasse em orientação, educação, diálogo, leis, inclusão. À brasileira, é melhor construir, justificar, pichar e deixar ruir um muro.

Principalmente, ficar em cima dele. E – prático e natural - atrás da moita.

Um comentário:

Regina Carvalho disse...

Taí,né,cumpadre:éisso!
Dedo na ferida,e sempre dói- o que fazer para mudar tal situação?
bj