9.17.2008

DUAS MÃOS

Ela saiu poderosa do salão de beleza. De óculos escuros, jogou os cabelos para trás e atravessou a rua. Sem olhar para os lados. O barulho trouxe à janela cães e seus latidos, mulheres e suas rezas, senhores e seus jornais, adolescentes engolindo apressados e gordos sanduíches. Pouco movimento nas calçadas. No asfalto, sinais fechados nas duas transversais que dão início e fim à rua: momentaneamente, nenhum movimento de veículos. O motorista do táxi pôs a mão na cabeça, perguntou a ninguém, O que é que eu faço?

Em frente, um hospital de emergência, suas ambulâncias à porta. Um carro da PM estacionou atrás do carro velho do taxista com o pisca-alerta ligado. Um guarda se aproximou da mulher deitada no asfalto. Um outro dirigiu-se ao hospital. Ventou um pouco, folhas caíram das árvores. Os poucos transeuntes nas calçadas formaram pequenos grupos aqui e ali, à exceção dos que passavam com pressa ou indiferença. Carros que vinham na mão do atropelamento primeiro buzinavam indignados e, depois, ligavam o pisca-alerta e aguardavam a chance de desviar do acidente, lentos e furibundos. Na outra mão, os veículos dobravam a esquina em velocidade e, depois, a diminuíam, espiando detidamente o guarda, o taxista, a mulher no chão.

Enfermeiros portando maca e guarda-paletós metálicos, trazendo, ao invés de roupas vindas do trabalho, tubos com líquidos coloridos e incolores, atravessaram a rua e ajoelharam-se ao lado da mulher. Um deles a pegou no pulso, outros a puseram sobre a maca e a levaram para dentro do hospital. O PM que voltara com os enfermeiros de lá começou a apitar, mandando curiosos de carro ou a pé para onde bem quisessem, desde que longe dali; o outro e o motorista por profissão estacionaram seus automóveis, um à frente do outro, paralelos à calçada. E foram para o hospital.

Seis meses, três hospitais e algumas cirurgias depois, ela voltou ao mesmo salão. De beleza. Adoraram seu nariz novo. Desta vez, ao sair, não atravessou a rua. Seguiu pela calçada até a esquina mais distante e entrou na farmácia, porque estava com um pouco de coriza. De óculos escuros, jogando os cabelos para trás, saiu da drogaria e esperou sua vez de atravessar na faixa. Carros, apressados ou indiferentes, ignoravam sua presença esguia de mulher bonita e poderosa. Nas duas mãos.

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