4.27.2008

CRÔNICA DE UM CASAMENTO – E DE PRIVILÉGIOS

Começa que, na casa do Luiz, almocei um estrogonofe preparado pela Beatriz, só comparável ao da Lygia, da Tereza e da Glorinha. Saber quem são essas personagens, como outras aqui citadas, é privilégio de poucos – e os que não o têm, claro que têm o de conhecer outras que nós não conhecemos; portanto, deu empate: vamos em frente. (Algo que anda esquecido por aí: personagem é feminina, como imagem, reportagem...)

A igreja foi a da Nossa Senhora da Glória do Outeiro, Rio de Janeiro. É mesmo de se lamentar que o descaso das – ditas - autoridades vá a tal ponto de não perceberem que a geografia privilegiada mereça reverência, respeito e cuidado - o exato contrário de pobreza, falta de educação, crime e dengue. Mas nem de estrogonofe nem de dengue, muito menos, de malditas autoridades é do que se fala aqui – e, sim, do casamento da Luciana e do Ricardo. E de certos privilégios. Por exemplo, o da companhia da avó da noiva, Dona Mariana, e seus 80 e alguns e generosos anos - para com os outros, sempre. Na casa dela, há uma varanda onde... Fica pra outra, esta, imensa de histórias, varanda.

Chegando na Glória do Outeiro - moro em Florianópolis -, justifiquei a ausência da minha mulher e da minha filha e comentei que a primeira comprou um CD do Zeca Pagodinho e, ao invés de ouvi-lo alto e bom som no aparelho da sala, preferiu tocá-lo num desses portáteis, só encontráveis atualmente em fundos de armários e feiras suspeitas. Fui mal interpretado e fiz questão de deixar claro: eu e ela gostamos muito do Zeca Pagodinho – e eu, mais ainda do que ela, de torresmo e farofa.

Privilégios.

Antes da noiva chegar, começou aquilo que, se fosse um filme, seria chamado de trilha sonora. Eu estava ao lado do meu irmão – o Luiz – e da Gisele, a mulher do pai da noiva – que disse assim: “É Vivaldi, não?”. Eu respondi: “Sim - as 3 estações”. Meu irmão, prontamente, me corrigiu: “Mario, as estações são 4”. Eu justifiquei: “Os aparelhos lá de casa só pegam 3”.

Chegou a mãe da noiva, bonita, e eu a pensar, mas este meu amigo André, pai da noiva, é mesmo um privilegiado, de ex e atual mulher tão lindas. Não vou citar aqui tantas mais personagens e suas inconfundíveis personalidades, porque não caberiam – na crônica, sim, caberiam, mas, na minha memória, falta um pouquinho mais de espaço (o de uma varanda, mais precisamente).

A noiva chegou. Linda, sim, senhoras e senhores. Seu pai, meu amigo de quase infância, nervoso, deu duas tragadas em um cigarro e o engoliu aceso. Um padre simpático, que, segundo o Luiz me disse, ultimamente vem freqüentando tv e arredores, inclusive encontros onde ninguém entende a língua do outro e, por isso, todos se comunicam em Latim, mencionou a data da fundação da Igreja e comentou que, no apagão energético mais recente – não confundi-lo com o ainda mais recente aéreo, mesmo que este fosse, como se verá, pertinente -, disse que a luz do Redentor, naquele apagão energético, ficou parcialmente acesa por ter a estátua fincada no Corcovado se tornado, já tão cheia de significados, também uma referência para os pilotos de aviões. Depois, desculpou-se: “Eu sei que o departamento, aqui, é outro”.

Explique-se, para quem não estava lá: o noivo, Ricardo, é oficial da Marinha.

E poeta.

Quem pensa que este negócio de engenheiro se meter a escrever poesia tem alguma coisa de interessante, pode embainhar a espada: Ricardo, com seu uniforme azul-marinho, cheio de botões dourados, o sotaque devidamente usurpado da corte portuguesa e melhorado, recitou belo poema de sua autoria para sua amada, enquanto corria solto e bem servido coquetel.

Antes, porém, Billy, cunhado do André, cumprimentou, ainda no pátio da Igreja, o Rubens. Este, ligeiramente indignado, perguntou ao Billy: “Por que você não falou com a Henriette?”. Billy, prontamente, respondeu: “Rapaz, eu pensei que ela fosse uma desconhecida japonesa”. E, pensando bem, Billy estava certo: Henriette, namorada do Rubens, é, de fato, uma gueixa. Naturalmente que Sartre e Simone de Beauvoir estranhariam: “Uma gueixa francesa, como?”. Ocorre que, como bem Simone disse, todos os homens são mortais, - muitos deles, inclusive, flamenguistas - e ele, Sartre, muito gostaria de ter dito, uma gueixa que se chama Henriette é a prova máxima do existencialismo.

Assim partimos, da Igreja para a recepção, na OAB – Ordem dos Advogados do Brasil -, eu, Luiz, Rubens e sua gueixa francesa. Lá chegando, serviço de primeira, Erasmo e Fátima (irmã do André) a me cobrar, “Como você não trouxe a Rosa e a Maria Luiza?”, e eu, de novo, a tentar explicar que somos escravos de agendas, trabalho e milhagens, Luiza, mulher do Antônio Júlio (irmão do André), a fazer campanha para presidente, não me lembro se do Jóquei ou da República e, pensando bem, não faz muita diferença, já que o desta já tem seu terceiro inconstitucional mandato garantido, a depender apenas de uma inconstitucional alteração da Constituição, Lúcia (irmã do André), sem disfarçar sua expressão de mais para Santos Dumont que Congonhas, Marina (irmã – adivinha – do André) e seu marido Billy a dançar – e acho que a música era dos Beatles - Charles Aznavour – que o Billy garante ter encontrado no Rio Sul, e, mais, que não o confundiu com japonês nem japonesa -, André, pai da noiva, aproximou-se de mim, do Murilo e do Rubens, Gisele, mulher do André, nos acompanhando. O filho do Murilo veio com a namorada: ele, surfista, futuro engenheiro de produção, e ela, futura arquiteta, espaço que te quero humano, assim brindei e brinquei com eles.

Murilo bebericava seu uisque, e sua mulher, loura de olhos azuis, Eliana, depois de me dizer que eu ganhei na loteria ao me casar com a Rosa, e eu, como sempre, concordei, apenas ainda não fui buscar meu prêmio na CEF por ser um tanto distraído, Eliana disse ao marido Murilo que moderasse nas doses do Grant’s. Eu disse a ela o que já digo faz tempo à minha loteria, digo, mulher, Rosa: “Beba o necessário para não perceber o que seu marido bebe e o suficiente para depois dirigir nosso automóvel”.

Neste exato instante, Antônio Júlio, o irmão mais velho do André, fez questão de tirar uma foto nossa: de mim, André, Rubens e Murilo, amigos de mais de 40 anos – de amizade: de idade, passamos pouco mais de 10 desse número. Sentindo falta do Venâncio, que mora em São Luiz do Maranhão e não veio, eu disse: “Sou o Dartagnan dos 4 mosqueteiros”. Meu irmão, mais uma vez, me corrigiu: “Mario, os mosqueteiros eram 3”. Eu expliquei: “Lá em casa, os aparelhos pegam 4”.

Quem duvidar de tudo isso, que pergunte ao general Grant’s. Aliás, general, não: almirante. Almirante Grant’s.

Felicidades e agradecimentos por tantos privilégios aos noivos,
Mario.

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