2.03.2008

CAVALOS

Em Petrópolis, a charrete percorre as ruas entre automóveis esparsos. O condutor também é guia, mostra a casa de Santos Dumont, a do príncipe recém falecido, aquela onde Fernando Henrique se hospedava, “Lula nunca veio aqui”. Mostra a estátua do arquiteto e, atrás, a Catedral. De quando em quando, dá uma chicotada nos cavalos da parelha, que apressam o trote preguiçoso e servil. Submissos, os olhos, tampados nas laterais. Sacos amarrados nos seus lombos recolhem seus rejeitos alimentares transformados nas suas tripas em dejetos. O guia pronuncia “coêler” ao invés de “quéler”. No término do passeio, ele, novamente condutor, puxa as rédeas e pára no sinal fechado. Um dos cavalos torna a cabeça na direção do seu par e parece dizer alguma coisa a ele. Provavelmente, algo como “De noite, a gente pára e descansa”, ou “Um dia, isso acaba”.

Em Florianópolis, chove demais. Uma catástrofe, ruas inundadas, casas inundadas, pessoas jogadas na lama, em abrigos, o aeroporto, fechado. No caminho dessa descoberta, uma pastagem; por trás, a baía. O cavalo, amarrado a um toco no chão, a cabeça baixa, o dorso sob a chuva, debaixo do temporal, a céu aberto, céu cinzento, chuva, chuva, chuva, no lombo do cavalo. “Uma hora, isso passa”.

No apartamento, um vento, para ela, é tufão; uma chuvinha fina, temporal; um espirro do filho, pneumonia. Tudo é pretexto para dar uma desculpa no trabalho e faltar e ficar em casa. A tempestade é tão verdadeira e intensa que dispensa a desculpa. “Uma hora, isso passa”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ah, meu querido, tudo na vida passa.
E não sei se isso é bom...
Teu texto tá muito bonito, gostei!
um beijo carinhoso, mas sem confeets nem serpentinas.