10.24.2007

BARATAS E LAGARTOS

Houve uma noite em que minha filha estava com amigas lá em casa. Enquanto eu já estava dormindo, todas se preparavam para dormir. De repente, gritos, agudos e carregados de decibéis, muito mais que os usuais dentre as mulheres de 13 a 130 anos, mais ainda que os aceitos pela Organização Mundial de Saúde, Organização das Nações Unidas e a Organização do Tratado do Atlântico Norte - todas organizadas demais para aceitar tudo que não sejam guerras. E não era uma guerra e os gritos não eram nada organizados: eram histéricos. Sonâmbulo como de meu direito, levantei-me da cama preparado para um sermão. Não sou bom de sermões, nunca quis ser padre nem juiz, nem mesmo de futebol; mas fui lá.

Claro: era uma barata – e voadora.

Já morei sozinho e deixei uma barata dormir na minha casa enquanto me dirigi ao hotel mais próximo, para não incomodá-la. No mesmo período, houve uma que chegou pela janela, de asa delta e prancha de surfe debaixo da asa; aniquilei-a a doses cavalares de spray venenoso e, resoluto, dirigi-me, primeiro, ao necrotério, para me certificar da morte da invasora e, depois, ao hospital, para me certificar da minha própria.

Ocorre que pai de adolescente é outra pessoa; cheguei a pensar em mudar de nome, Alfredo, Pessoa, Eustáquio; mas não: uma vez Mario, sempre Mario (e não me perguntem “Que Mario”, por favor). Adentrei o quarto da minha filha munido de vassoura – como já disse, era outra voadora, Florianópolis e Rio têm tudo a ver, cara, impressionante – e matei-a. Engano: caída ao chão, ela ressuscitou – e foi batizada, por uma das presentes, de Barata Jesus.

Heresias à parte, eis que uma amiga advogada me conta de seu embate com um lagarto, no morro atrás do quintal da sua casa. Florianópolis e Rio têm tudo a ver, cara, é impressionante, praia, morro, só muda de assaltante pra lagarto (pelo menos, por enquanto). Por um lagarto! Aquele ser pré-histórico, jurássico, inspirador do dragão, com suas papas laterais, cor de lagarto quando ataca, língua de sogra, digo, cobra, soltando fogo pelas ventas. Me disse a amiga – minha, não do lagarto – que ele, o lagarto, foi para um lado e, ela, para o outro. A troca de olhares foi tão fulminante que acarretou uma de pernas, e minha amiga rolou morro abaixo, ralando-se como se fosse criança, uma alegria só – para não dizer o contrário, claro. Escoriações na perna, nos braços, no corpo todo – e o lagarto, tranqüilo, na dele, passeando pelo morro da casa dela, até agora. “Lá em casa, a gente não mata nada”. Pois, na minha, eu mato. Desde sempre. Aula, por exemplo; quem nunca matou uma aulinha na vida, hein?

Minha filha não mata aula.

Alfredo, Pessoa, Eustáquio...
Vou pensar.

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