2.13.2007

NÓS

Monstros
Arrastaram um menino
Pelas ruas do Rio de Janeiro.

Entre nós
Sempre foi natural
Emprateleirar pobres
Ou encaixotá-los
Nas periferias.

Trabalhadores
Honestos
Humildes
Resignados

São gerados
Geração a geração
Emprateleirados nos morros
Ou encaixotados nas periferias.

Monstros
Misturaram-se a eles
- honestos trabalhadores sem trabalho -
Nas mesmas prateleiras nos morros
Nas mesmas caixas de papelão
Das periferias.

Nós
Que compramos guardas de trânsito
Desde sempre em cada esquina.

Nós
Que temos uma conhecida
Que é do Ministério
Que arranja uma vaga
Pro nosso filho
Na escola pública.

Nós
Que desprezávamos negros
Até que as cotas passaram a valer
E aí nos tornamos todos parentes.


Nós
Que erguemos grades
Para proteger o sono
Das crianças que dormem na rua.

Nós
Que convivemos bem
Com os que dentre nós
Blindam seus automóveis.

Nós
Que freqüentamos festas
Onde o pó rola solto
E dizemos aos nossos
De olhos vermelhos
Aí, cara, tudo bem?,
Brigado,
Não tou a fim.

Nós
Que ouvimos os gritos dos nossos
Do apartamento ao lado
E continuamos ouvindo.
(Agora, de janela fechada.)

Nós
Que perdemos nossos empregos
Resignadamente
E que não moramos no morro
Ainda.

Nós
Que temos Deus no meio de nós:
O político.

(E ele é um de nós, necessariamente.)

Nós
Pacíficos
Passivos
Décima-qualquer-coisa
Potência-econômica-mundial.

Nós
Centésima-décima-sétima
Pior-distribuição-de-renda
Mundial.

Nós
Criamos monstros

De uma raça
Dentro da raça
Que mora nos morros
Nas periferias.

De uma outra raça
Dentro da raça
Que freqüenta rodas
Do mais alto
Poder-de-compra.

De uma outra ainda raça
Dentro da raça
Que representa a droga
Que representa o crime
Que freqüenta o congresso
Nacional.

De mais uma outra raça
Que quando se refestela
Do dinheiro público
De fato mastiga e cospe
Vidas de talentos natimortos
Pernas mendigas
De vidas-zumbis.

Nós
Criamos raças
Dentro da nossa
Brasileira raça.

Nós
Criamos monstros
Desde sempre
No nosso quintal.

Monstros
Arrastaram um menino
Pelas ruas do Rio de Janeiro.

Um comentário:

Adriana Prates disse...

É Mario, nós que "criamos monstros desde sempre no nosso quintal", ainda nos resta a possibilidade de "criar seres humanos" ainda que apenas dentro do "nosso quintal".
Que tal?