Futebol é uma doença incurável
adquirida na infância. Não que eu seja nostálgico ou saudosista, mas, como todo
mundo, gosto de lembrar de coisas boas. Quando as ruins aparecem, é só levá-las
ao encontro do seu bem mais querido: o esquecimento. Se o esquecimento nos lembra
que tem memória, trabalhamos, vemos alguém interessante passar, ou então é o
cachorro que faz xixi no lugar errado, e tristeza e esquecimento se vão de mãos
dadas, aonde, ninguém quer saber.
Eu já morava no Leme, tinha onze-doze
anos, e ia, de ônibus, com meus amigos Humberto Rodrigues de Sá e seu primo
Luiz Fernando ao Maracanã. Os três sozinhos. Havia menos gente, a ganância de
uns e a ignorância de tantos (imposta pelos tais uns) ainda pouco se esbarravam.
Fomos, por exemplo, ver a decisão do campeonato carioca entre Botafogo e Bangu.
Eram seis times grandes no Rio: os dois citados, mais Flamengo, Fluminense,
Vasco e América. No ano anterior, o Bangu fora o campeão, derrotando o Flamengo.
Em 67, deu Botafogo. O Campeonato Carioca, a Taça Guanabara e as excursões dos
clubes eram os principais assuntos em matéria de futebol. Pelé em plenitude,
Garrincha já em fim de carreira, e era outro o timaço do Botafogo, que não vou
recitar aqui. Anos depois, li a magistral biografia de Garrincha escrita por Ruy
Castro, quando o autor, no prefácio, diz que, na decisão Botafogo e Flamengo de
62, quando o alvinegro venceu de 3 a 0 com três gols do Mané, descobriu que,
além de Flamengo, era Garrincha. Poucos anos depois, vi um documentário, no qual
ninguém menos que Zico diz: “Não me importava se eu era Flamengo, o que eu
queria era ver o Garrincha jogar”.
Pois dia desses, na Barbearia Tradicional
de Florianópolis, enquanto esperava minha vez, vi na TV comentaristas de
futebol discutindo sobre quem seria o melhor jogador brasileiro depois de Pelé.
Nenhum falou em Garrincha. Está certo, sou mais velho que eles, mas, se tanto quanto
eles não vi o Garrincha jogar ao vivo, ouvi falar, me interessei, vi
documentários, entre eles o filme “Garrincha, Alegria do Povo”, de Joaquim
Pedro de Andrade, como li crônicas de Vinicius de Moraes e Nelson Rodrigues
(entre tantos outros) a respeito do Anjo das Pernas Tortas.
Não é curioso? Nada entendo de
futebol, me livrei do vexame dos meus passes errados quando entrei na faculdade,
sou nada mais que um amador em matéria de futebol. Os tais comentaristas são profissionais
disso. Sequer citaram Garrincha – segundo Ruy Castro, o craque responsável pela
vitória do Brasil sobre a Áustria na segunda Copa das cinco conquistadas pelo Brasil,
no mesmo 1962, em um ano em que o Botafogo representava meio time da seleção - com
Pelé contundido logo no começo da Copa e Amarildo jogando em seu lugar, ao lado
de Didi, Nilton Santos, Zagalo e, claro, Garrincha.
Pode-se pensar que tudo o que eu
disse aqui é saudosismo de botafoguense; pois conto que, em outro dia desses,
no Rio, meu amigo, flamenguista roxo, Murilo Drummond recitou o que eu não iria
recitar aqui, o timaço do Botafogo campeão da Taça Guanabara e do Campeonato
Carioca em 67 e 68: Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto
e Gerson; Zequinha, Roberto, Jairzinho e Paulo Cesar. (Diga-se de passagem,
Jairzinho fez gols em todos os jogos da Copa de 70, a terceira das cinco do
Brasil. Nem Pelé...)
A crônica esportiva atual tem
momentos que perfeitamente correspondem ao futebol que é jogado no Brasil de
hoje. Que isso mude logo, que voltemos a ter seis grandes no Rio, tantos outros
em outras cidades do país, e que os responsáveis pela mediocridade que tomou
conta do nosso esporte favorito, da crônica aos assim chamados dirigentes, se
juntem ao esquecimento, a caminho do onde-ninguém-quer-saber.
Futebol é uma doença incurável
adquirida na infância. A minha se chama Botafogo.
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