Nelson Rodrigues dizia que o único inglês de verdade era o
Antônio Callado. Quase conheci um segundo no ano passado em Londres, mas, por
um detalhe, deu pra ver que Nelson como sempre estava certo: o sósia de John
Hurt – que tampouco é de verdade, porque só faz personagens e sempre
brilhantemente – lia, mas em um tablet. Há reis e rainhas, mas são realeza, não
realidade. Desta vez, tomamos café da manhã em um lugar que também não existe,
chamado Café Mignon, na City of Westminster, perto da Victoria Station. Lá tem
um jardim interno onde chove enquanto lá fora faz sol, uma inglesa que fala
alemão, mas que pode ser uma alemã que fala inglês, um libanês, e uma
provavelmente inglesa a quase contrariar Nelson. No Convent Garden, uma banda
de violinos e violoncelos tocava e cantava e dançava, enquanto bebíamos vinho
branco. Perto do Café Mignon, jantamos pizza servidos por uma furiosa jovem
italiana, enquanto outra, não sei de que nacionalidade, me olhou de cara feia
porque espirrei. Claro: Antônio Callado jamais espirrou.
Fomos de trem a Manchester, onde apresentei um segundo
trabalho em coautoria com meus amigos Baltazar Guerra, PhD nascido em Portugal
radicado no Brasil, e Alek Suni, economista americano descendente de
finlandeses, no Simpósio Internacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, na
Manchester Metropolitan University. Como era tudo um sonho, erramos de vagão no
trem, mas ninguém nos expulsou. Fomos de ônibus a Notting Hill, escrito errado
por eles de propósito, porque o certo seria Nothing Hill, pois é lá que fica Portobello
Road, que só existe em canções. Em outro trem, fomos a Chester, que também não
existe, já que é medieval e tem uma loja de City Tan, de bronzeamento
artificial, que confundi com City Tour, para desespero das atendentes e da
Rosa. Em Chester foi que aprendi que Manchester é pró e paroxítona: se
pronuncia MAN-Chés-ter. Na França, seria oxítona; mas era Paris, outro lugar
inexistente.
Hemingway a chamou de festa móvel, e quem se atreveria a
dizer que ele estava errado? Lá, passeamos de dia e com sol e de noite e com
sol. Visitamos jardins, andamos a pé e de barco e de triciclo, nos perdemos e
nos achamos. Em um show de Gospel na igreja de Saint Julien le Pauvre, um casal
muito jovem ficou noivo no final do espetáculo, e Rosa tirou nossas alianças da
bolsa. Disse a ela que as guardasse, porque nossa festa seria somente nossa,
assim como aquela seria somente dos dois no altar, tendo os músicos ao seu
redor. E assim foi: no Closeries des Lilas, restaurante que era frequentado
pelo mesmo Hemingway, pedi ao pianista que tocasse Tom e Vinicius. Em frente ao
piano, ao som de Eu sei que vou te amar, trocamos nossas alianças, e o
emocionado pianista me disse ter sido a primeira vez em sua experiente carreira
que isso acontecia. Sem nunca termos nos separado, vamos nos casar outra vez,
agora com direito a juiz de paz.
Termino voltando ao mundo real e parafraseando Fernando
Pessoa. Na Europa, a tão duramente conquistada paz se funde com o drama dos
imigrantes. No Brasil, o Governo mente. Mente tão descaradamente, que finge ser
mentira a mentira que deveras mente.
Sigamos, enfrentando a realidade, sonhando, viajando. Bons
sonhos, boas viagens, bom sábado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário