11.30.2013

ALGUÉM JÁ DEVE TER DITO ISSO, INCLUSIVE EU


Há canções do Caetano Veloso que vão ficar para sempre, mas uma recente foi como um tiro de espingarda com dois canos em duas coisas que a gente gosta: a Bossa Nova e a outra.

Um grande amigo meu quer desenvolver uma tese sobre o amor do brasileiro pelo lixo. De fato, é algo assombroso ver um indivíduo despejar lixo na água do mar onde ele se banha e na areia da praia em que se deita.

Dizer que tudo de ruim que acontece no Brasil é herança dos portugueses – “ah, as capitanias hereditárias...” - é o mesmo que faz um indivíduo que, na milésima sessão de psicanálise, ainda quer matar papai e namorar mamãe.

Só há um motivo para os portugueses terem colonizado o Brasil e por tanto tempo. Em matéria de navegação e expansão territorial, eles eram no mínimo tão bons quanto os melhores daquele tempo.

Quem era contra a privatização privatiza, quem era a favor da liberdade quer proibir, quem desfazia da mão de ferro na economia usa pés de ferro e com o mesmo guru: Delfim Neto. Pois é, Cazuza: Vemos o futuro repetir o passado, vemos um museu de grandes novidades.

Olha o arrastão entrando no mar sem fim.

Por ter lido há alguns anos a biografia de Simón Bolivar escrita por Moacir Werneck de Castro, respeitável jornalista e estudioso com nítida postura de esquerda, jamais engoli o título de bolivariano com que Hugo Chaves batizou seu regime de governo, que vai além-túmulo com Maduro. Eis que leio na epígrafe do livro de Enrique Krauze, respeitável jornalista, estudioso e defensor da democracia, o seguinte pensamento de Bolivar: “A continuação da autoridade num mesmo indivíduo com frequência tem marcado o fim dos governos democráticos.”

Enquanto os físicos definem que a frequência é o inverso do período, o Ministério do Bom Senso adverte: na tomada como na política, a melhor corrente é a alternada.


 

 

 

 

 

11.07.2013

E AÍ ELA CHOROU

Rosa organizou um seminário para alunos da Odontologia da UFSC. Fui convidado para ser o primeiro palestrante. Dei o título à minha palestra de “Mercado de Trabalho - Anseios, Expectativas e Realidade”. Especialistas em Marketing e Psicologia, entre outras áreas, farão outras palestras hoje e amanhã. A proposta do seminário partiu da Rosa; surgiu de um pedido de ajuda de uma aluna, que comentou que havia alunos receosos do que vão encontrar pela frente em suas carreiras, incluindo casos de depressão. O auditório deve ter uns 80 lugares e estava lotado, principalmente por jovens estudantes, além de alguns outros professores mais ou menos da minha geração. Juntei na minha memória tudo o que consegui sobre as mudanças no Brasil e no mundo desde o tempo dos Beatles até hoje e os impactos disso nas vidas, profissões e mercados de trabalho; perguntei a eles se o país e o mundo haviam melhorado, piorado ou permanecido a mesma coisa, até tratar do tema propriamente dito, fazendo idas e vindas, provocações, sugestões e constatações – por exemplo, a de que o país hoje vive uma democracia e tem uma moeda com nome e valor conhecidos; que a odontologia, especialmente no Brasil, teve progressos extraordinários; que o mundo é mais perto do que já foi e o interior do Brasil permanece pedindo para ser desbravado e desenvolvido; do surgimento nos anos setenta e oitenta do século passado do conceito do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade, que considero um marco na história, por trazer a constatação de que, sim, somos bichos que pensamos em desenvolvimento econômico, mas que podemos fazê-lo sem culpa, desde que pensando também nas futuras gerações, tratando os outros com respeito, pensando nos benefícios da inclusão social e na necessidade de conservar os recursos naturais. Mencionei o óbvio: as escolhas são sempre difíceis, mas são escolhas, próprias; e que cada pessoa é uma entre sete bilhões de uma espécie entre outras sete bilhões de espécies - e que cada um de nós é único, não há ninguém igual a ninguém; não há réplicas nem das nossas impressões digitais nem das que temos do mundo e do universo. Também falei da dificuldade do que parece fácil e não é: o autoconhecimento, lembrando a célebre frase inscrita em uma pirâmide egípcia: Conhece-te a ti mesmo. Comentei que não conhecia o Egito e que, infelizmente, neste momento, não tenho muita vontade de fazer turismo por lá.

Terminada a palestra, uma moça linda, muito loura e de olhos muito azuis, veio a mim e me perguntou se de fato eu tinha dito que não tinha vontade de fazer turismo no Egito. Eu disse que sim, por medo da guerra. “Pois eu passei dois meses lá e a realidade é outra, diferente do que a mídia mostra, eles são um povo extraordinário, eu deixava minha bolsa largada em qualquer e canto e ninguém mexia, e se as pessoas continuarem a ter esse preconceito, a situação deles só vai piorar, eles precisam de turistas para que possam sair da crise em que estão.” Eu pedi desculpas e agradeci a ela ter-me dito isso, e que ela deveria dizer isso à plateia, logo antes da próxima palestra. Ela me disse que tinha vergonha; eu propus que a Rosa dissesse, então, incluindo meu agradecimento por ela me ter aberto os olhos e destruído mais um medo e um preconceito dentro de mim. “O senhor falou na possibilidade de se ir para o interior se essa for nossa escolha, e eu quero ir para a Índia, e as pessoas me perguntam por que, e eu digo que lá eu vou ter mais chances de ajudar as pessoas do que se eu for para os Estados Unidos.”

E aí ela chorou. Seus lindos olhos azuis se encheram de lágrimas. Eu dei uma beijo em sua testa e disse, Daqui a pouco, serão dois chorando. É o que faço, agora.

Obrigado, Professor Ricardo, Professora Joeci, Rosa, minha mulher. Muito especialmente, obrigado a você, linda lourinha chamada Mariane, seus lindos olhos azuis cheios de vida, ideal e lágrimas que, sem querer e tão tolamente, causei.