2.21.2012

ENQUANTO VOCÊ DORME

Enquanto você dorme, eu escrevo. Sou um inquieto. Um ansioso. Parafraseando Louis Armstrong, High anxi... high anxiety...

Enquanto vejo você dormindo, me aquieto.

Quando você acordar, isto será mais uma declaração de amor a você.

Mesmo com o cão fungando nervosamente deitado no chão ao meu lado.

Hoje é feriado. O dia nasce quase em silêncio. Um outro cão late, pássaros comemoram o sol, um ou outro carro passa na rua lá embaixo.

Ontem à noite, você me perguntou: - Você está ouvindo o helicóptero?

Ontem à noite, voavam um helicóptero e um ventilador. Que permanece voando, seu zumbido é como o de um avião pequeno. Menor que um helicóptero, claro.

O cão ao meu lado está em silêncio, agora, enquanto, lá fora, um pássaro se destaca dos outros, avisa que vai se afastar e se afasta. Vai para longe, uma outra árvore, que deve estar longe da primeira. Não vou à janela, mesmo porque, agora, todo momento é um novo agora, há uma sirene.

Isto será necessariamente uma declaração de amor, seja em que formato for, seja com que conteúdo for. Uma declaração de amor a você, que dorme profundamente.

Minha ansiedade passou. Há vezes em que ela passa. Há outras em que ela se passa.

Você dorme bonita como sempre – e como sempre, lembro, em prece, Vinicius e Tom:

“Pra que ela acorde como o dia... oferecendo beijos de amor...”

Um sorriso. Me bastará um sorriso seu. Alguém dirá, Mas ele não tem mais nada pra fazer, que escrever uma banalidade?

Eu poderia fazer o Tratado Geral das Banalidades. Tratado Geral das Coisas Banais – por Mario Benevides. Antropólogo, sociólogo, farmacêutico e hermeneuta. O antropólogo, sociólogo, psicólogo e hermeneuta Mario Benevides acaba de lançar o seu Tratado Geral sobre Coisa Nenhuma. Grande confusão causou a repórter, ao chamar o autor do tal Tratado de proxeneta, desculpando-se depois: - Eu queria dizer astronauta.

Dorme, meu amor, embora o alarme do estacionamento tenha se sobreposto ao canto do pássaro. Há todo um mar, ainda. Poluiu-se recentemente por causa das chuvas, porque se misturam, nas chuvas que caem, excrescências de excrescentes que ligam as excrescências deles nas redes fluviais e pluviais. O rio, o mar, a chuva, o sol, enquanto houver sol e for feriado, iremos à praia. Leremos um livro e uma revista, nos alternando entre uma e outro, entre umas e outras, que serão poucas, moderadas, pode acreditar em mim. Rabiscarei mais umas linhas do meu tratado inútil e depois dormirei, à tarde, enquanto você fará uma visita ou uma caminhada.

Assim somos, fomos feitos, sonhos, sonos, planos. Ansiedades. E calmarias.

O CONSELHEIRO

- Quando eu contei pra ele, ele chorou.
- Qualquer maneira que ele reagisse, você não iria gostar.
- Eu preferia que ele gritasse.
- Se ele gritasse, batesse em você, se ele saísse batendo a porta, se respirasse fundo e dissesse palavras racionais ou mesmo bonitas... se ele ficasse em silêncio, profundo, misterioso, indiferente ou desdenhoso... nada, nada iria agradar a você.
- Não sei.
- Pode ter certeza, é assim que nós somos. A gente quer que aceitem o que a gente diz, não importa o que. Nem a quem. Somente se ele concordasse com você...
- Não era uma questão de concordar, mas de aceitar, de achar natural, sabe, até achar... bonito.
- Poucas pessoas acham isso bonito.
- Mas faz parte da vida.
- Tem muita coisa que faz parte da vida que não é nada bonita.
- Ah, mas não valem comparações com crimes, violência, isso não tem nada a ver com essas coisas.
- Concordo. Mas é algo que, para a maioria, ainda não é normal.
- E o que é normal?
- Um dos sentidos é estar de acordo com uma determinada norma. Ainda que hoje a norma – a lei - seja aceitar, incluir... a norma social de muitos ainda é contrária. Já foi pior, você sabe.
- Eu fiquei muito chateada.
- De qualquer jeito você ficaria. É normal.
- O que é que eu devo fazer?
- Tentar de novo. Vá lá e volte a conversar com ele.
- Pra você é fácil.
- Claro.
- Não é com você, não é? Não tá nem aí... Conselho, se...
- Pague a conta. E vamos embora.