10.30.2011

DE PALAVRAS E NÚMEROS, COM DIREITO A PROUST E BAUDELAIRE

Peço desculpas e ela me diz
Imagina!
Agradeço e ela me responde
Imagina!
Já que é assim, eu imagino
a cena da nossa amiga Isabel em Aracaju.
Isabel chamou o garçom, que prontamente a atendeu:
Pois sim?
Inusitada cena,
pois não?
Pelo telefone,
Peço ao taxista
que me apanhe pontualmente às 8:00;
ele, que me respondeu Não, não,
pontualmente às 8:00 está me esperando.
Digo tchau a ela. Ela,
Tchau, tchau.
Tento dar dois beijos nela;
o segundo fica no ar. Eu,
feito um colibri à la recherche du fleurs du mal perdu.
E me pergunto, afinal: que mal cometi?

10.01.2011

AS CORES DAS LEMBRANÇAS: UM CONTO DE MARIA LUIZA BENEVIDES

É branco, é limpo, é vazio. De hora em hora moças entram, mexem aqui e ali, reconfortam meu pai com as cobertas. Uma ou outra me oferece um copo d’água, nunca aceito. Desdenho o incolor, o inodoro e o insípido; eles já são suficientes ao meu redor. O hospital sem cores, meu pai deitado sobre e sob lençóis alvos, que dão continuidade à sua palidez. Ele está por fora como está por dentro: ausente. Sua doença levou sua memória e trouxe a minha. O descolorido daqui me faz buscar a pigmentação da minha infância.

Saudade tem cor. É uma tinta misturada com o verde fraco do verão e o bege forte das secas do inverno. Torna-se turva quando junto a ela vêm reflexões presentes. O que me é estranho, pois, nessa hora, o branco não traz clareza, mas escurece. É o alvo medo de perder meu pai. O sertanejo que deixou seu coração no campo, fugiu da sede e encontrou a cidade. Dorme agora, sonha talvez, enquanto eu, acordado há dias, me lembro do que passou.

Vem sombra fresca, vem cheiro doce, vem gosto azedo. Pita–pitangueira–eira–beira-beiradinha, me dá uma mordidinha. Eu, menino, cantarolava assim para arrancar-lhe um pequeno vermelho. Papai ria de mim, enrugava a pele maltratada pelo sol do canto de seus olhos e mostrava-me seus dentes amarelos. Envergonhado pela música de rimas bobas, eu mordia logo uma pitanga e respondia sua expressões com caretas azedas. Ríamos juntos. Nossa melhor amiga.

Éramos muito unidos e, para o desespero de minha mãe, travessos. Roubávamos suas bolas de meia para jogar futebol, seus grampos de cabelo para pinçar minhocas no quintal, seus ovos recém-chegados da feira para jogar nas paredes detrás da casa. Ela nos punha de castigo. Sempre embaixo da nossa árvore. Uma delícia. Aprontávamos tudo de novo.

Aos poucos, o sabor azedo da pitanga, o cheiro seco dos dias quentes e a sonoridade da risada do meu pai desintegram-se no ar desinfetado do hospital. É tudo água novamente. Como aprendi na escola, quando viemos para a cidade, incolor, inodoro, insípido. Acorda logo, pai, colore as lembranças comigo.

Maria Luiza Benevides.