5.21.2011

DE LIVROS E DE FILHOS

O sorriso da foto aí ao lado é do lançamento de um livro. O sorriso de quem acaba de ser pai ou mãe é diferente deste da foto, como é diferente o de quem acaba de conhecer o filho ou a filha de alguém próximo. Um livro não é um filho, porque um filho não é um livro.

Tenho uma filha, que ontem voltou para casa com dor de cabeça. Passou com um analgésico, abraços silenciosos, luz apagada e sono. Ontem à noite era sexta-feira, como o título de um dos livros do mineiro Roberto Drummond, que morreu torcendo pelo seu time, do coração, de coração, respectiva, implosivamente. Na quinta, fui buscar minha filha no balé. Vestibulanda de Medicina, faz balé como exercício físico, emocional, Arte Dança se chama a escola. Escrevo porque preciso, ela faz balé porque precisa, e vê-la dançar me faz mais bem ao coração que escrever (que dirá que de não escrever). Fiquei do lado de fora, a alguns metros da sala de dança, sentado em uma cadeira plástica, de jardim, ao relento, sem sereno. E sereno. Era um começo de noite agradável, não ventava, não chovia, frio, um pouquinho só. Via e ouvia tudo pela porta aberta do estúdio. Um, dois, três, quatro... Um, dois, três... Mais rápido agora, meninas. Uma delas passava pela fresta da porta, minha filha passava com seus passos e seu sorriso, passava um rapaz negro e sua altivez de dançarino.

Preciso imensamente lançar um novo livro. Trabalho agora em um que é compartilhado com outros autores e autoras. Um belo projeto, que pretendemos lançar este ano. Alguns amigos, principalmente amigas, me dizem que eu deveria publicar minhas crônicas. Mando meus romances e poemas para concursos. Muitos anos atrás, eu morava no Rio, no Cosme Velho, e uma amiga, Anete, morava em Belo Horizonte. Ela conhecia o Roberto Drummond de uma agência de banco, e deu a ele um original meu, um romance que escrevo e reescrevo deste esse tempo, 1993, ano em que meu pai morreu e Rosa, meses depois, ficou grávida de Maria Luiza, nossa bailarina e futura médica. Tive a honra de conversar com Roberto pelo telefone, que, com tanta atenção e delicadeza, me disse assim, seu livro é bom, é original, lute por ele – e me aconselhou a inscrevê-lo em concursos. Só agora, dezoito anos depois, é que me interesso por eles. E escrevo e reescrevo o mesmo romance lido pelo Roberto Drummond, já tendo escrito e publicado outras coisas enquanto isso, porque esse é como se fosse...

No ano em que nossa Maria Luiza nasceu, Tom Jobim partiu. Quando parte um Tom Jobim, é uma parte do mundo inteiro que se vai, e ninguém de verdade sabe para onde. Ele e Vinicius morreram aos sessenta e sete anos: Vinicius em 1980, e o Tom, 1994. Na TV, um especial e, dentro do especial, algo ainda mais especial: o ator Paulo José disse um poema do Tom, cujo refrão dizia “Maria Luiza acordou sem febre”. Meu amigo Murilo, que também assistia ao programa, me ligou e me perguntou como ia a nossa Maria Luiza. Sem febre, eu respondi. Ele então me disse, é duro, o Tom se foi, mas a Maria Luiza está sem febre.

Hoje, Murilo, Maria Luiza acordou sem dor de cabeça.

Um livro não é um filho, porque um filho não é um livro.