2.27.2011

DE PASSAGEM, DE REPENTE

Os ventos mudam mais rapidamente em uma ilha, muito mais que no continente, muito mais que nossas convenções. Agora é noite de domingo, aqui nesta ilha é noite de domingo, em algum lugar já é segunda-feira, dia da lua, lá, hoje era ontem, domingo, dia do sol. Aqui na ilha e hoje, durante o dia, o sol ficou encoberto, os ventos é que mudaram o tempo todo, rapidamente, quase que furiosamente. Muita coisa tem mudado furiosamente, sempre menos que os ventos. Isso tudo ventado, carregado por aí, calma ou nervosamente, o que paira, mesmo, é a dúvida. Enquanto for assim, que bom, porque, quando ela se for, quando a dúvida se for, restará uma imbecil certeza. Aquela que nem de si mesma sabe. Aquela que não quer saber.

2.17.2011

BIA, MARIA BEATRIZ

Bia, Maria Beatriz,
nome tão bom e bonito,
convite para uma rima,
que eu não caia na tentação
de rimar seu nome em vão.

Bia, Maria Beatriz,
pega onda, surfa onde há espaço,
risca o desenho mais bonito no traço
do passo da ginga do berimbau.
(No ônibus, toca violão.)

Bia, Maria Beatriz,
é valente e sincera.
Tão suave e à vera
caminha, que deixa mais leve
a paisagem.

Bia, Maria Beatriz,
faz de si personagem
(se quiser, é atriz),
mas é na tela, na tinta,
na ponta do lápis de giz

Que deixa gravado seu nome,

Bia,
Maria
Beatriz.

Bia, Maria Beatriz,
nome tão bom e bonito,
convite para uma rima,
que eu não caia na tentação
de rimar seu nome em vão.

A PABLO NERUDA

“el ingeniero quiere ser poeta,
la mosca estudia para golondrina,
el poeta trata de imitar la mosca”
(Pablo Neruda, em Oda al gato:
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca)

Ontem, no fim da tarde, vi um sujeito andando na calçada, um pouco à minha frente. Seu cabelo era todo branco, vestia uma camisa-pólo verde e uma calça jeans, seus sapatos eram pretos e de cadarço, trazia nos ombros uma bolsa a tiracolo, cansada, de couro marrom, e um assobio. Eu sempre tive muito mais sorte no amor do que no jogo, mas aposto assim mesmo que esse sujeito, se não for engenheiro, é poeta. Se fosse como eu, querendo ser poeta e tratando de imitar a mosca, traria nos ombros um peso que não se descreve, que não precisa de bolsa para se manifestar, que, para ir embora, só precisa de assobio. Pode ser o da andorinha; pode ser o do andarilho.