5.23.2008

ESQUINAS E BARES, MEU AMIGO JOÃO

Amigo João:
As telecomunicações explodiram-se
Na razão da expansão do universo
Na proporção inversa da razão.
Os botequins e as esquinas
Afastaram-se
Na velocidade do engarrafamento.
Como você fez questão de me ensinar,
Os botequins e as esquinas ainda existem,
Meu amigo João.
A melhor inspiração
Da estátua da liberdade
- alguém erguendo a mão, dedos estrelados, chamando o garçom –
Permanece,
Meu amigo João.
Amigo João:
Da próxima vez
Que eu me aproximar de São Paulo,
Numa nave antiga ou moderna,
Cego que sou,
Necessariamente guiado por um cão,
Farei sinal a um táxi
Irei direto à questão:
Quero beber alguns chopes
Na companhia do meu amigo João.

5.20.2008

CLARICE E VANDERLÉIA



“Mas a vida humana é mais complexa: é a busca do prazer, seus temores, e, principalmente, a insatisfação dos intervalos.”
(Clarice Lispector, "Perto do coração selvagem".)
“Senhor juiz... Pare! Agora...”
(Vanderléia, nos tempos da Jovem Guarda)

Sete e meia da noite. O alarme de um estacionamento dispara. Toca repetidamente seu som insuportável de alarme. Se ladrão houve, já se foi faz tempo.

Sete e quarenta e cinco. Polícia, por favor, pare! Agora. O alarme. Aqui é da Federal, favor ligar para a Civil.

Sete e cinqüenta. Polícia, por favor, pare! Agora. Aqui é da Civil, favor ligar para a Militar.

Sete e cinqüenta e cinco, Aqui é da Militar, senhor, não podemos fazer nada, a não ser uma ronda.

Oito e cinco. Parou o alarme.

Oito e quarenta. Silêncio na casa. Ela chegou e interrompeu.

Dez. O cachorro chegou e fez uma festa danada, pulou no colo e tudo. E voltou para perto dela.

Onze. Um filme na TV, uma entrevista, tudo ao mesmo tempo. A menina com o livro nas mãos diz em voz alta o texto impressionante. Para ela.

Meia-noite é solidão e todo mundo sabe. A tal ponto que gira sozinho em torno do sol que dorme.

Quem quiser que acredite: meia-noite e quinze: o alarme voltou a tocar.

Quem quiser que acredite: no exato instante de nova chamada para a Militar, que promete tomar providências, o alarme volta. A parar.

Se ladrão houve, nos roubou a noite.
Curioso: fechada a janela, abriu-se o amanhã.

5.13.2008

UM BELO FILME

ROMA, um nome de mulher: este, o título do filme no Brasil. Na versão original, ROMA. Roma é portenha, descendente de italianos, mulher de um boêmio, de carne e osso, ela, professora de piano, mãe libertária de um futuro escritor, que se muda para a Espanha nos anos 70, ditaduras militares em curso na América do Sul. O que se conta é o passado, - a parte mais especial da vida do escritor em sua Buenos Aires, quando, já há muito radicado em Madrid, tem mais do que os seus sessenta anos, é homem difícil, rabugento - e bom. Eles existem; como existem belos filmes.

Dizer mais, não digo, porque não quero contar o filme; porque não tenho mais nada a dizer, a não ser que assisti a um belo filme, com excelente elenco, roteiro inteligente, passada sensível, espanhol bem falado, castiço e portenho, diferenças sutilmente sublinhadas.

Em DVD.

Buenas noches.

5.11.2008

DIAS DAS MÃES

Pois é, meu blog amigo,
Meu Rio antigo,
Faz tempo não nos falamos.
Permaneço aqui, nesta ilha imensa,
Onde o mar
Felizmente
Imenso
Permanece.

Anoitece.
Hoje – agora - é noite de domingo.
Por isso,
Rimo;
Remo
Contra a maré
Do frio,
Do inverno.

Quando rima é o que eu quero,
Rima é o que não me vem.

Hoje
É dia das mães.

Almoçamos fora,
Fomos a um restaurante -
Privilégio, blog amigo,
Saudades, Rio antigo.

Rio moderno
Da Rua do Lavradio
Rio
Das soluções
Tardio.
Vencido,
Rio,
Vencido?

Não pode ser,
Hoje
É domingo
É dia das mães,
Rio,
Você, Rio, minha mãe.

E meu pai.

Florianópolis,
Deus te abençoe,
Te faça percorrer caminhos
Que te levem à semelhança com o Rio
Só naquilo
Que o Rio tem de bom.

Fale mal do Rio,
Florianópolis,
Mas nos faça um favor:
Faça diferente.

Não empilhe pobre no morro,
Não seja assim tão brasileira
De mera observação.
Seja brasileira
De criatividade.
Invente-se a si,
Florianópolis,
Reinventando até o Rio,
Reinventando até o Brasil.

Rio,
Florianópolis,
Brasil,

Façam-nos o favor
Do nosso renascimento:
Afinal
Hoje
É dia das mães.

Queremos renascer
No colo amado.
No lugar da rima,
O impensável:

O mar
Moldura
Da dignidade
Individual
E coletiva.

Hoje -
É dia das mães.

5.01.2008

POEMELHO NO ESPELHO

Quem vence a inflação
A recessão
Toda porcaria
Quem fica sem emprego
E vota
Ou não vota
Quem suporta
Quem agüenta
Principalmente a hipocrisia

A demagogia

Quem vai à guerra
Morre por Deus
Ou a Democracia

As estupradas
Os violentados
Os de pernas arrancadas
Os de barriga vazia

Os que assistem à TV

Todos

Que aplaudem
Vitórias suas

Postas

Nas estatísticas,
Nos índices,
Nos discursos,

Pode ser que um dia
Bem cedo acordem
Como fazem todo dia

Se olhem no espelho e digam
- Cada um às suas próprias remelas -

Todas essas vitórias são
Foram

Minhas.